19.3.12

Brincar com o fogo.

Depois, tudo desaparece e abre-se o espaço náuseo da ausência. Desaparece a azáfama do correr atrás, fotografar, filmar, gravar, falar, perder noites, entusiasmar-se, finalmente mostrar, brindes, sorrisos, abraços, amizades, promessas de eternidade, juras, lágrimas de separação. Tudo desaparece e só resta o chão seco da (re)criação.

A profissão da criação artística comporta riscos que nenhuma seguradora poderá um dia avaliar. Os riscos são sentimentais e emocionais. O risco da depressão é bastante forte. O risco da decepção e da frustração. O risco da extrema euforia que caracteriza certos momentos de muita emoção - os momentos com o público, os jornalistas, o foco da atenção - para depois se seguir o nada, o vazio.

A profissão da criação artística trabalha com a matéria mais inflamável de todas, que é a emoção. Tanto pode aquecer como queimar descontroladamente. E acontece extinguir-se também. Um artista é um profissional que brinca com fogo.

13.3.12

Regressar

Se fosse religioso ia agradecer a Deus pelo incrível périplo que fiz entre Mindelo, Brasil, S.Tomé e Príncipe e Lisboa, num espaço de 6 meses. Como não sou agradeço a congregação de todos os bons espíritos que me conduziram a isso. Em termos de balanço humano, ainda vou passar os próximos 6 meses a avaliar. Só sinto que foi mais que o meu peito podia comportar.

Mindelact tornou-se uma tradição, uma espécie de fonte de purificação artística anual. O teatro será a arte mais humana de todos, porque é directo, de humano para humano e isso tem consequências grandes no nosso espírito. Cineport em João Pessoa, Brasil, com todas as trapalhadas, foi um momento de conhecer novíssimas pessoas e horizontes que vão além do alcance da vista. No entanto, Brasil ainda parece um território complicado de entrar, de tão vasto que é. A Bienal de S.Tomé foi a experiência humana mais marcante do ano. Por um lado o drama da pobreza, por outro o conhecer pessoas de coração limpo que já se tornaram parte do meu círculo reservado. Lisboa, que foi a continuação da Bienal de STP, mais algumas exposições em galerias, foi um ponto alto de encontro entre várias pessoas que, se tivessem a consciência disso, podiam mudar o mundo. Lisboa é um dos mais importantes centros culturais africanos do espaço de língua portuguesa, mas falta assumi-lo.

Enumerar nomes seria injusto para os esquecidos, mas seguramente terei ganho umas boas dezenas de novas amizades de alto valor. É uma sorte.

Terminei um ciclo, o que é uma sensação transcendental na criação artística. Já iniciei um outro com o intuito de saltar de patamar, evoluir, aprender a falar uma língua superior.