22.8.11

A Ministra


A Ministra sempre foi Ministra. Anda no carro do Governo de tronco recto e nunca vendo para os lados. Sai do carro, sobe as escadarias do Palácio com passos firmes, raramente deita um olhar ao pessoal da portaria, ou a um eventual cidadão a tratar de assuntos ministeriais. Traz em permanência no semblante o peso das decisões do Estado. Era uma Ministra!, com M maiúsculo e todas as letras. Portanto, foi um Carnaval inabitual vê-la de jeans, de camisola de campanha, a distribuir outras camisolas de campanha a dezenas de jovens, que em outras alturas seriam os patinadores desordeiros, os barulhentos capoeiristas, ou até perigosos meliantes. Os jovens, um por um, a disfarçarem-se de apoiantes do partido, iam afinando os tambores para a batucada. Samba! Descobri que a Ministra tinha todos os dentes alinhados, porque naquele instante abandonou o semblante de Estado e sorria. Suas cadeiras e coxas apertadas num jeans adolescente começaram a saracotear, primeiro numa ginga ligeira, depois frenéticas e compassadas, sorrindo e agitando os braços no meio dos repiques dos paus nos tambores. Uma força poderosa tirou-a da sua armadura de Ministra.

21.8.11

Os Camaradas


Camaradas são pessoas que se abraçam e dão valentes palmadas nas costas uns dos outros. Normalmente fazem juras de fidelidade para sempre! Formam grupos e defendem-se de outros grupos de camaradas. Mas camaradas também zangam-se. Aqui há dias os camaradas se esfaqueavam de morte com palavras. Foi assim durante dias: assistiam-se os camaradas a rudes golpes. Mas logo os camaradas fazem as pazes. Passa tudo. Voltam a abraçar-se e dão valentes palmadas nas costas. Fica tudo como se não tivera acontecido. É que os cães sabem disso: juntos, dois cães podem ter cada um metade de um osso; sós perigam de não ter osso nenhum.

18.8.11

Art House


Tenho 3 tipos de bons filmes: os tecnicamente bons, bom guião, boa direcção, bom elenco, boa fotografia etc.; os excepcionais, que se destacam por um guião extraordinário, uma direcção inesperada, excelentes performances de actores, soberba fotografia, etc.; e há os que nos marcam definitivamente, a tal ponto que nos causam mudanças profundas, a nível de estética ou ao nível de convicções. Este impressionante Hunger, de Steve McQueen, é um deles.

Tenho 3 tipos de bons actores: os muito bons profissionais, os fantásticos e os que fazem da arte a sua religião, que passam 10 semanas a ingerir 600 calorias por dia, emagrecendo de tal maneira que parece mesmo que vão morrer (e realmente incorrem a riscos enormes de saúde), tudo para tornar o seu personagem incrivelmente credível. Michael Fassbender é um desses actores.

Tenho 3 tipo de bons realizadores: os que fazem filmes irrepreensíveis, os que tornam em ouro o que tocam e os que, mais do que fazer filmes, fazem manifestos. É o caso de Steve McQueen.

+ info: http://www.imdb.com/title/tt0986233/

11.8.11

Medíocre Menos

Raramente oiço a rádio. Acho rádio uma coisa fabulosa de fazer e ainda é das formas de comunicação mais acessíveis que há. Raramente oiço, mas de vez em quando, para sintonizar-me com o que acontece no país, dou uma volta pelas rádios. Hoje, abri, circulei, 2 rádios do Estado, outras privadas, uma desgraça! Nenhuma informação, todos a tocar a mesma música (de m*da) e os mesmos comerciais insossos. Assim, não dá! 

No entanto, mérito seja dado aos excelentes radialistas que temos, que destaco, por razões pessoais, o meu amigo Tchá; cresci ouvindo a tua voz Tchá.

Fabuloso!

A propósito da desigualdade social grave; a propósito dos condomínios fechados, formas fajutas de esconder o problema; a propósito da imensa crueldade a que podem chegar os mais distintos membros de uma sociedade.

Um filme de Rodrigo Plá, Uruguai. 5 estrelas.

8.8.11

Felisberto Vieira demite-se do Governo de José Maria Neve

Até que enfim, vejo um acto político de inteligência!! Antes ninguém nesta terra pedia a demissão, talvez considerando que pedir a demissão é dar a parte fraca. O pessoal na política não entende que pedir a demissão quando as coisas correm pró torto, chama-se "gestão de carreira"; mais vale pedir a demissão na hora certa, do que teimar-se no lugar até que a sua figura queime. Sim senhor Filú, bom muv!

6.8.11

O delicado equilíbrio

Escultura: Knopp Ferro

Terminou umas campanhas, diria, rasinhas. Do imaginário, tenho a figura de Presidente da República como uma estatura elevada. Seriam requisitos a essa estatura, a rectidão de carácter, a frieza da ponderação, a sapiência das decisões. Mas como vai o Presidente reclamar comportamentos adequados ao país, quando a sua campanha eleitoral utilizou todo o tipo de esquema para atingir o objectivo? Como vai exigir o respeito pelo descanso dos cidadãos, quando promoveu carros terrivelmente ruidosos às 11 horas da noite? Como vai apelar à moralidade da política, quando ainda subsiste a oferta de "prendinhas" aos eleitores? Mas, ainda mais terrível: como vai estabelecer um discurso elevado, quando, durante as campanhas, o seu discurso rasou o vulgar?!

Quero ver/Quero ter

De Dusan Makavejev

Quem tem, quem sabe quem tem, quem sabe onde achar, dá fala.

4.8.11

A busca de nós, humanos

Esta será a mais religiosa das mensagens que alguma vez escrevi, pois a religião implanta-se assim, quando nada mais na terra parece resultar, busca-se em dimensões outras, espirituais. Sinto chegado um tempo de sairmos todos à rua e fazermos uma gigantesca roda humana, de mãos dadas, meditando o que em nós está a falhar. Como é possível em terra tão pequena, tamanho ódio nas palavras e nos actos? Como é possível, em terra que a maioria de nós ainda sentou à soleira da porta, que não se tenha o mínimo de respeito pelas pessoas mais velhas, pelas mães, pelos vizinhos? Que fusível queimou-se dentro de nós? Onde anda a nossa alma de humanos?

...e somos todos um bocadinho culpados, os que agem mal e os que não agem contra o mal.

Dor Dor Dor

Já não posso mais ouvir notícias de gente nova a morrer, de morte matada. Mataram o meu amigo, e amigo de meio mundo, Djô Bomba, em S.Vicente. Esta notícia apanhou como uma tábua em plena cara, como foi da vez do meu amigo, e amigo de meio mundo, Dudu. Ambos matados à facada, a morte mais violenta de ser matado. Facada, um gesto carregado de ódio. País que se mata à facada em pleno centro da cidade, país com laivos de primitivismo. 

Mais dor

Morreu uma menina, de bala perdida, na Achadinha, que se encontrava sentada à porta da sua casa, quando a bala da violência deste país veio ter com ela para a matar, assim, do nada. Desta vez, como foi da vez do bébé de 2 anos que morreu também de bala perdida, não houve manchetes nos jornais e nem veio o Primeiro-Ministro ao público repudiar o acontecimento, como foi quando um juiz sofreu atentado à mão armada e, felizmente, nem morreu. Isto se tornará numa carnificina, no dia em deixarmos de cuidar de todos, de forma igual, principalmente quando se trata de proteger o bem maior da natureza, a vida.

3.8.11

Crise de Ansiedade

Sabem o quê? Desde ontem estou meio ansioso, como se algo de mal espreitasse. Não me concentro o suficiente no trabalho e não havia razão aparente. Parei para pensar nisso, do que raio se tratava e, para o meu espanto, cheguei à conclusão que tenho luz eléctrica por mais de 24h sem cortes. A ansiedade era, quando é que essa porra ia desligar tudo outra vez, deixando uma pessoa naquele estado de enervamento indescritível. A ansiedade era o meu corpo a preparar-se para enfrentar a frustração. Mas que tá estranho, tá. Será que é daqui a uma hora que essa porra vai mesmo desligar?

2.8.11

Nunca mais é o fundo!

A situação energética não pode piorar mais; a situação económica também não; a situação política atingiu os píncaros da desenchabice; a situação social sempre naquela corda bamba...Sensação de queda livre. Que venha o fundo do poço o mais rapidamente possível. Depois do fundo, ou ficamos lá até morrer, ou decidimos montar de novo à superfície.

De cacos

Mais ou menos por essas palavras: "A construção civil está em cacos; ninguém paga, ninguém encomenda...a situação está mesmo difícil". Palavras concretas, de um operador concreto, situação concreta. Acima de qualquer discurso político.

1.8.11

Verniz de quinta categoria

Estalou o verniz! Os camaradas que dantes batiam as palmadinhas nas costas, com vontade de espetar um ao outro um dedão nas costelas, agora espetam mesmo. Donas que dantes sorriam, com vontade de arrancar os brincos umas às outras, agora arrancam mesmo. E se for o caso, partem para acções físicas mais desenvolvidas, como estalos, chutos e muros. Bem, isso são meros eufemismos comparados com a violência real, a das palavras. Tem coisa que dói mais que, da pessoa que menos se espera, vem um ofensa gratuita? Tem coisa mais revoltante que, quando menos se espera, invocam-nos a memória dos nossos familiares? E tem coisa mais chocante que esse cenário de terror aconteça precisamente na camada da sociedade que supostamente foi investida da missão de transmitir aos outros os melhores valores? Pois, são assim as pessoas que se viravam às avessas, caso fosse necessário, para manter um posição de conforto. Nem se lhes caísse a alma de podre! 

Não dói

Já nada mais dói. Nem as horas intermináveis no escuro, sem luz e sem acção, nem as ferroadas dos mosquitos, nem o calor insuportável. Nada dói. Nem as toneladas de decibéis dos carros de campanha, nem as atrocidades verbais de cada qual, nem a lata, o descaramento ou a desonestidade escancarada. Nada dói. Apanha-se tanto que deixa de doer. Suponho que um dia, ou endoidamos e desatamos a arrebentar qualquer coisa que nos apareça pela frente, ou nos tornaremos nos mais estóicos sacos de porrada: mudos e firmes.