28.12.11

Banco de trás

René Tavares, série "Drawing in Abstract Space"

As crianças estão no banco de trás, adivinhando jogos com as matrículas dos carros que passam, tal qual nós, uma vez crianças, fazíamos, no carro do meu pai. Banco de trás é o lugar reservado às crianças, de onde o mundo passa muito depressa. Estamos na cidade, depois já nas montanhas, de seguida chegamos à praia, calávamos subitamente quando passávamos por um lugar novo, ou uma estrada na montanha, as vezes o carro tinha de ir devagar quando havia perigo, as vezes umas pessoas olhavam para dentro do carro e não sorriam, mas nós estávamos no banco de trás, o lugar que nos pertencia para sempre, onde nada nos podia acontecer. Do banco de trás descobrimos enigmas inimagináveis, como por exemplo que havia mais carros de matrícula par que ímpar, que havia mais carros brancos que azuis e reparamos que tinha um carro sempre parado no mesmo sítio, as janelas já todas cobertas de poeira, talvez o seu dono tivesse tivesse sido raptado. Guardamos os segredos, talvez até pudessem ser precisos, mas eram exclusivamente nossos.

Sigo lentamente, muito interessado nas coisas que os meninos vêem lá fora e os seus jogos de adivinhação. Dão saltos quando descobrem algo novo. Sigo lentamente. Aos poucos os pensamentos quotidianos me voltam à cabeça. Faço contas, calculo o dia de amanhã, passo em revistas os acontecimentos marcantes do dia. Paro numa bomba de gasolina para reabastecer o carro.

26.12.11

Amanhã

Imi Knoebel

As crianças já perderam a conta a quantos brinquedos tem. Tem as estantes cheias! Já nem conseguem se lembrar qual foi o brinquedo que a tia X lhes deu. São tantos! Se lhes perguntar os preferidos, também vão ter um grande dilema, entre o carrinho de pilhas, o jogo engraçado, ou o super-herói. 

É bom que se tenha a possibilidade de comprar tanta coisa hoje. No meu tempo, as escolhas eram menores e no tempo dos meus pais seriam ainda menores. Ter escolha é importante. O triste é ter escolha e não escolher, ir na mesmice, comprar as futilidades que brilham muito, mas que não valem nada, entrar na subtil condução do marketing infantil. Ponham-se alertas pais, através das crianças as casas comerciais fazem de nós o que quiserem. Tenham paciência, que na imensa profusão das lojas há objectos realmente bons. É possível que as nossas crianças não se tornam uns fúteis amanhã. É possível, não é garantido. Há que trabalhar muito, pais.

23.12.11

Feliz Natal...se conseguir.

Foto: Alessandro Citti

É público. Não gosto do Natal, por imensas razões, uma das principais por ser uma pressão comercial insuportável. Quem não puder comprar as prendas todas, fazer aquela festa recheada e vestir roupa nova, fica infeliz. É um conceito que não vou aceitar nunca. Não consigo conceber esta data, que em teoria tinha de ser de humildade, de introspecção, de partilha, de solidariedade e de todos os outros sentimentos de proximidade humana, se esteja a tornar um feroz arrebentar de dinheiro. Até as discotecas vem se tornando o ponto mais alto do Natal, pelo menos na minha cidade, enquanto que antigamente eram um "pecadinho" discreto após o jantar em família. As dezenas de contos que alguns vão gastar, sem ao menos oferecer um saco de roupas usadas a uma organização beneficente, faz-me uma imensa confusão. Dizem que noventa por cento da população é crente. Crêem em quê?

22.12.11

Novelo Mundo

Atsuko Tanaka

Está uma matilha de jornalistas à volta do tribunal, sedentos de sangue. A questão é, qual será o grau de castigo que vão ter os ilustres camaradas apanhados nas teias do crime? E os camaradas são afinal apanhados! Entretanto há dias vi um tipo que tinha estado preso, precisamente por trafulhices relacionadas com o tráfico de drogas, branqueamento de capitais e demais atropelamentos, a passear no seu (novo) carrinho, felicíssimo da vida. Feito as contas, passar quatro aninhos na cadeia, sair com a conta bancária ainda a tilintar e ainda mais a exibir um carrinho bazofu...quase que vale a pena o crime, é tudo uma questão de sacrifícios.

Sacrificar o bom nome é o preço a pagar para estar na alta roda. É claro que uns pagam mais que outros, mas imensa gente tá a precisar dum noitinha na choldra, só para avivar os seus bons valores. Tenho a certeza que o pessoal que sai (e vão sair, pois justiça seja feita) dessas alhadas, pensará uma trinta vezes antes de se enredar outra vez em maus caminhos. Outros nem por isso, é questão já de constituição.

Na França até o Presidente da República não está isento da justiça. No feudo de cá, os políticos estão demasiadamente blindados em relação à justiça. Afinal quem não deve, não teme. Proponho o levantamento imediato de uma data de imunidades em relação aos políticos, porque a política tem muita, mas muita culpa sobre a actual situação vivida no país.

Entretanto o Natal está cada vez mais chocho, ou sou eu que cada vez acredita menos nessa fraude.

21.12.11

Raízes do mal

As vistosas operações policiais sobre os casos de droga e branqueamento de capitais, assunto do dia no país, assemelham-se a uma operação cirúrgica a um cancro maligno, em que é possível remover células já muito doentes, mas não é possível erradicar o cancro. Uma vez alguém me disse que o aumento da eficácia da polícia só tem como consequência o aumento da eficácia dos criminosos, como num jogo de computador, em que o nível de complexidade do jogo vai aumentando. Combater as consequências é por demais importante, mas é preciso investigar largamente os condicionalismos na nossa sociedade que levou/levam à situação actual.

Tenho por mim que uma série de pequenas impunidades, cumulativamente, vai permitindo ilegalidades maiores, até atingirmos um estado de ilegalidade. É possível fazer uma longuíssima lista de ilegalidades toleradas e socialmente aceites no nosso país, desde a calotice pura, até desvios importantes. Façamos uma introspeção grande.

Cegueira selectiva


Continuar a negar a pesada gravidade da situação é uma postura extremamente perigosa. É grave, é grave, é grave!...Fiquei imensamente triste ao ler a primeira página de www.sapo.cv hoje.

20.12.11

Sementinhas do mal

O Administrador só estava a pensar na instituição quando propôs o nome do sobrinho para o posto. O sobrinho é, sempre foi,  um bom menino, estudioso e qualquer instituição havia de querer tê-lo nos seus quadros. A Diretora só estava a pensar na melhoria de produção da sua unidade, quando aceitou a sugestão do Administrador em recrutar o sobrinho. Efetivamente a unidade procurava um perfil desses. Passados três meses o sobrinho revelou-se excelente contratação, contrariando os maus agouros, as más-línguas. Tudo estava bem não fosse a polémica na sociedade, os insistentes protestos de dezenas de jovens que se dizem sem possibilidade de candidatura aos melhores postos da administração pública. Discutiam os comentadores na televisão, o Administrador e a Diretora cometerem ilegalidades de alto a baixo, independentemente da acertada aposta.

(Este texto é de ficção. Qualquer semelhança com a realidade será bem provável)

18.12.11

Quando caem as árvores

Césaria Évora 1941-2011

O que mais gostava na Cesária era as suas falas absolutamente espontâneas, umas até bem sarcásticas, que era uma coisa que pouquíssimas pessoas no mundo entendiam a real dimensão, ao não ser nós de cá, que a viram sofrer a vida toda e sabíamos exactamente qual era a história de vida dessa senhora que se transformou em fenómeno mundial. As falas da Césaria, essas que o pessoal achava muita graça, traduziam-se para mim como o seguinte: ok, estou eternamente grata ao mundo pelo que fez por mim, mas agora deixemos de tretas!

Há um oceano de tretas em torno da figura de Cesária Évora, algumas que até dão enjoo. Césária Évora foi amplamente ignorada dentro de casa, desde sempre. Lembro-me dela podre de bêbada, na rua, como um indigente. Nessa altura ninguém fez nada por ela e uns macacos até punham-na a cantar em troca de uma garrafa de whisky. Depois da fama, enquanto que o mundo rendia-se aos seus pés, com um tanto de misticismo à mistura, dentro de casa raramente a vimos actuar, raramente vimos um bom documentário sobre ela, para não falar de sessões públicas de reconhecimento ao seu trabalho. Vejo mais gente a gabar-se da fama que Cesária granjeou a Cabo Verde, que gente a comentar a sua arte. Agora, depois da sua morte, por favor não finjam estar profundamente sentidos por ela e deixem a senhora descansar em paz!

16.12.11

A vaselina política

A vaselina é uma substância absolutamente necessária em política e é bom que se tenha uma bisnaga sempre à mão para casos de toda a eventualidade. Quando há muita contestação social sobre algum assunto, como é o caso desesperante da eletricidade e da água no país, o poder é pressionado a tomar medidas, que normalmente passam por erradicar os nabos que estão a dirigir os sectores. Mas o problema desses nabos é que são de alguma forma essenciais ou perigosos para o partido que sustenta o poder. Há pessoas de tal forma inamovíveis do sistema que se desconfia que conheçam segredos sórdidos dos dirigentes que os tem irremediavelmente à perna. Pois, se não dá para erradicar os nabos, a solução é transferi-los de tacho, anunciando com toda a pompa, nos jornais, na televisão, nos anúncios oficiais online, que tal nabo foi afastado do cargo, o que transmite uma sensação de problema resolvido, o que na verdade é só o problema transferido. Ou seja, continuam a enfiar-te forte e feio, mas com uma camada cuidadosamente aplicada de vaselina.

14.12.11

Os homens devem estar loucos

Foto: Peter Marlow, Magnum

Primeiro Cabo Verde apoia o ditador da Guiné Equatorial na sua candidatura à organização CPLP. Depois Cabo Verde, através de uma importante instituição, a universidade, atribui um honoris causa a um representante do fascismo português, com apoio de destacados nomes da sociedade, como sejam, o renomado escritor Germano Almeida e o destacado político e investigador Corsino Tolentino. Agora vem o ex-presidente da república, Pedro Pires, nacionalista de primeira linha, combatente pela dignidade humana, dizer que em África não há ditadores??...O que se passa com essa malta? Estarão os seus fusíveis a queimar, estarão a puxar o saco a alguém descaradamente ou estarão a revelar facetas ocultas da sua personalidade?

Alguém me ensinou que, uma vez que uma pessoa se torna figura pública, toda a sua actuação deve se reger por altos padrões de coerência, sob o risco de parecer um verdadeiro irresponsável.

(Depois de postar a foto acima, ainda virá um outro dizer que as criancinhas são felizes porque estão a sorrir. Se é que me entendem?)

7.12.11

Quem nos trata da saúde?

Com a partida do nosso querido Jaime, mais uma vez se levantou o véu da questão dos cuidados médicos. Jaime deu entrada no hospital, na noite anterior ao seu falecimento, cortado de dores. Foi visto, medicado, sentiu-se aliviado e voltou para casa. No dia seguinte foi fatal. As minhas perguntas são: esgotaram-se todos os diagnósticos antes de o mandar para casa? As dores eram de quê?

Compreendo muitas vezes que o pessoal médico seja massacrado um bocado injustamente. Eles trabalham pra burro e recebem uma merreca. O resto do pessoal, enfermeiro e por aí fora, nem se fala. A questão está nos meios, que manifestamente ainda são insuficientes face à demanda. O aparelho de TAC está avariado e são precisos 50 mil contos para o arranjar. Ao mesmo tempo estamos a falar da vergonhosa bazófia dos dirigentes e a sua concorrência automóvel. Ao mesmo tempo estamos a falar de um só dirigente do Estado que é capaz de viajar inúmeras vezes ao ano, em 1ª classe e estamos a falar de vários outros gastos ridiculamente supérfluos, como se não fossemos um maldito país subdesenvolvido a enfrentar dramas básicos, de saúde e educação. Conseguimos construir uma magnânima estrada circular da Praia e não conseguimos consertar a porcaria de uma aparelho que pode salvar vidas.

Tenham decência vocês aí, vaidosos! 

5.12.11

Quando caem as árvores

(Foto emprestada do mural do FB de César Freitas)

Jaime morreu!

Jaime era feito de energia pura. Impossível que alguém estivesse ao pé dele e não fosse atingido pela sua vibração, força de viver, essa mesma força de viver que o terá levado para outro patamar, porque parece que o mundo não lhe chegava. Fica a admiração pela inteligência e generosidade desse ser humano. Jaime era tudo, menos uma pessoa banal. O mundo perde uma árvore enorme.

4.12.11

Identificar o pedante

"...as pessoas, na medida em que valorizam a aparência, são pedantes." (Wikipedia)

O pedante não sabe onde por as mãos, tá sempre de mãos no bolso. Galgar a sociedade inclui ganhar bem e frequentar meios requintados. Lançamentos de livros, exposições de arte, espectáculos musicais, tipo jazz, dueto de cordas, ou um solo de piano, é onde o pedante entra em sofrimento. Em tais circunstâncias, não opina muito, concorda só, sim, sim, foi bom, ou, sim, sim, foi mau, dependendo da opinião maioritária . O pedante vai sempre de calças de bolsos largos, para enfiar as mãos rapidamente, senão não saberia o que fazer com elas. Tem sempre umas citações decoradas e até consegue memorizar uma data de nomes, numa conversa está sempre próximo dos líderes e vai endossando as suas opiniões, dando uma impressão que está por dentro do assunto. O pesadelo, para o pedante e para o ouvinte, é quando é compelido a opinar com mais de dez palavras Pela sua forma de vestir, de imitar os outros e, normalmente, pela posição que ocupa, é um ser que consegue impressionar muita gente, mas para quem sabe identificá-los, não existe espectáculo mais deplorável que vê-los a desfilar sem sequer desconfiar da figura debilóide vezes fazem.

1.12.11

Putas fingidas e chulos vaidosos

Imagem: Nobuyochi Araki

A frase " a prostituição é a profissão mais antiga do mundo" é uma citação universal. No Lombo, famosa zona de prostituição na cidade do Mindelo antigamente era uma área comercial igual às outras, só que a transação era o sexo! E as profissionais tinham até inspeção médica regular. Só faltou seguradoras e previdência social para que fosse um sistema laboral completo. Essa organização desapareceu mas a prostituição continua forte nas ilhas. 

Actualmente, há putas e chulos para uma incrível gama de necessidades. Vai desde a necessidade básica, do tipo marinheiro, até ao presidente de concelho de administração que precisa de uma ninfeta para completar a sua vaidade. Vai desde rapazes que realizam a fantasia da jovem europeia da virilidade africana, em troca de favores e facilidades várias, até ao rude mercador do sexo que satisfaz  as apodrecidas turistas, nos decadentes circuitos turísticos. Vai desde a moça, que tem um emprego regular, estudou, até fez a universidade, mas precisa de um suplemento para acompanhar a moda, ou do equivalente masculino que não vai poder ter o carro de sonho tão cedo e mete-se por atalhos. No masculino o fenómeno tem o agravante dos rapazes até terem um aura heroica, pela quantidade da caça.

Não tenho absolutamente nada contra a prostituição, até porque não vai acabar nunca, mas que os seus praticantes sejam declarados abertamente prostitutas e prostitutos, em vez de fingidas putas e vaidosos chulos.


Ninfetas, Alunas Grávidas, Professores Cara-de-Pau

As crioulas iniciam-se no sexo bastante cedo. Até aí tudo bem, não fosse essa iniciação muitas vezes feita com um camarada com o triplo da sua idade. O quadro fica mais bizarro quando esse camarada supostamente seria o educador da pequena, mas na verdade é um adulto mal resolvido que se aproveita da vulnerabilidade natural das meninas quando se descobrem sexualmente. Meninas e meninos apaixonam-se pelos professores e pelas professoras. Lembro-de de professoras que simplesmente me atarantavam com os meus distantes 14 anos. É uma ebulição espontânea e saudável, própria da idade. O que não é natural é esses adultos aperceberem-se disso e tirarem proveito da situação. O extremo da bizarrice é quando esses professores engravidam as pequenas e tiram o corpo fora. Depois vem a questão das alunas terem de sair da escola, que é uma medida que roça o absurdo. Até concordaria com a medida, se o menino-pai saísse também e o professor-adulto-de-meia-tigela fosse enjaulado!

30.11.11

Lições práticas de F.da.putice - 1

Ao terminar esta lição o leitor terá aprendido como arranjar um carrão em 3 tempos. Mais, nem precisa levantar o rabinho da poltrona.

Em Cabo Verde, uma das formas mais eficazes para arranjar um carrão é:
  • Primeiro, aprenda a lamber. É uma arte difícil, que só alguns nascem dotados, mas com treinamento aprende-se. É preciso ter estômago, escolher a pessoa certa a lamber e escolher o sítio certo da pessoa a lamber. Exige paciência e subtileza.

  • Segundo, arranje o mais alto cargo que puder numa instituição pública. As empresas do Estado são as mais apetecíveis e delas os Bancos são autênticas minas. É importante que aprenda a se manter no lugar por um período mínimo equivalente ao tempo de amortização contabilística de uma viatura (se não entende do assunto, arranje um contabilista FDP). Não crie ondas, não dê passos em falso, as aptidões lambescas continuam a valer nesta fase.

  • Terceiro, compre o último modelo de carro topo de gama mais na moda no país. Não tente inovar no modelo, compre o que a maioria dos lambescos estão a comprar, ou pelo menos assegure-se que mais dois executivos da sua instituição-teta-de-vaca adquiram o mesmo modelo ou equivalente. Passado o tempo de amortização do seu belo carro, terá só que propor a administração (na qual você manda) a aquisição da viatura por 20% do preço inicial.
Voilá! Espero que tenha tido bom aproveitamento desta lição grátis de F.da.putice.

29.11.11

Bandidos, Palacianos Filhos D.P.

Imagem de Lucie Stahl e Will Benedict

Hoje pus-me a ler os títulos das notícias após não querer lê-los durante dias. Barbara e a sua filha em S.Vicente foram brutalmente atacados. Guida queixa-se de estado de stress. Vamos entrar naquela época do ano que, é melhor vigiar tudo, até as árvores, que ainda somos assaltados por um ramo de árvore. Já alguém o disse, a questão não está nas estatísticas, se o crime baixou ou aumentou 1%; a questão é o clima de medo.

No café, à conversa com compadres, contavam-me como a malta dos partidos anda descaradamente a apresentar-se ao chefe, para o próximo tacho, para ser o próximo candidato a um cargo público qualquer, nem frenesim tal, que prova que tachos na administração pública e cargos políticos são os melhores negócios que se podem fazer por cá. É só ver os carrões que são dados aos tachos maiores. Por isso, de forma clara, sem escrúpulos e sem ponta de ressentimento, quem puder deitar a boca às tetas do Estado, vai fazê-lo com a mesma ferocidade que faz o bandido de rua.

Corrupção, tráfico de influências, roubo, homicídio, agressão e outras tantas palavras vão se tornando habituais no nosso vocabulário e o pior que já nem nos choca.

26.11.11

Partida


Quando partimos os olhos demoram a largar o horizonte numa tentativa de reter lembranças, sons, cheiros, momentos com pessoas, os bons momentos. Por algum tempo essas ressonâncias vão parecer vida real, até podemos sorrir sozinhos num canto só de lembrar coisas pequenas, insignificantes toques de felicidade. Depois esvai-se no tiquetar dos dias, o ruído dos carros abafam a melodia das vozes. Partida é assim, é chorar de dor de partir, é prometer amizade eterna, trocar endereços e nunca escrever. É querer nunca ter partido e nem se lembrar disso tempos depois. Partir é guardar fotografias para se ver em silêncio, como quem escuta a canção favorita, com headphones.

Filme Infantil Pornô, Dirigente Polígamo, Ministro Ladrão e Deputado Doido

Teimamos em fazer de nós próprios de parvos e não perceber a sintomática. Aceitamos de ânimo leve que a alma pequena nos domine a todos. Deixamos que os maus modos passem como gestos simples e homens rudes sejam os guardadores dos nossos valores, que as crianças se tornem bichos armados, se vistam de putas, se comportem como adultos podres.

Estamos encurralados entre o chiqueiro de porcos e o saco de farelo, sem terceira via possível.

20.11.11

Art House

Ver um bom filme, digo, um bom filme!, é sempre uma experiência inspiradora. Imaginar o trabalho do colectivo - do argumentista, do realizador, dos técnicos, mas essencialmente do actor -revela-nos que só o trabalho obstinado é capaz de arrancar verdadeiras emoções.

Este Jane Eyre foi escrito no séc.XVII, vejam lá. Realmente a arte é intemporal. Levado para o cinema pelas mãos do jovem realizador inglês Cary Fukunaga, que já nos tinha brindado com o excelente "Sin Nombre", esta história é terrivelmente humana e daí intemporal. No elenco a impecável Mia Wasikowska (Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton) e o potente Michael Fassbender, que tanto me impressionou em "Hunger". Este filme, para todos os que amam a fotografia, é uma master class de iluminação low key (escuro dominante na imagem). Já quero ver o próximo filme de Cary Fukunaga!

+ info: IMDB

15.11.11

Cheers!


O compadre Baluka voa muito e passamos tempos sem ver. Quando nos vemos, foi ontem!

Os amigos de verdade não tem distâncias e justificativas. Vão à vida e vem, tudo na mesma. O compadre Baluka volta sempre com um bom vinho na mão e ouvimos jazz. No outro dia descobrimos um portentoso Palo Alto do Chile, maravilha de vinho! Ouvimos Dee Dee Bridgewater, Diana Krall, que começo a dar uma chance, Patricia Barber, que parece uma tempestade calma. Também ouvimos uma gajo que acabo de descobrir, de Israel, Avishai Cohen, que voz, que jazz! Só faltou a diva Cassandra Wilson, mas as tantas não há peito para tanta vibração.

Fomos adentrando a noite, ao som do jazz e das ondas de Praia Negra, a praia morta de morte matada. Ao largo, os barcos, monstros bondosos, com os seus guindastes e o seu gingar lento para os lados. Fico assim a ver através do ar preto os movimentos da noite. Sem ponta de pressa. Amando profundamente o meu canto e os seus cheiros.

13.11.11

Relatório sentimental


Conheço bruxas, de verdade! Maimuna, que é uma flor de três pétalas que nasceu em Moçambique, fala em língua de bruxa. Também a prima Lúcia conhece essa fala. Mamã tem as suas tiradas de bruxa e eu acabo por aprender bruxedos básicos. Maimuna dizia-me, também fala assim a prima Lúcia, que nada acontece por acaso, que tudo está ligado por linhas invisíveis e as bruxas, boas e dóceis, conseguem ver essas linhas, só isso.

A prima Lúcia previu todas as linhas invisíveis que me puxaram aqui a ali, que me ligaram a este e a aquele, as linhas que mudaram os últimos dois meses da minha vida. Maimuna, a minha bruxa de serviço em S.Tomé, fazia-me leituras diárias de sinais, como um assessor de impressa faz recortes de notícias. Eis umas ligações invisíveis:

De enfiada, conheci tipos fantásticos, brothers in art, e de repente já temos projectos, planos, esperanças e uma alegria de estar juntos, como se esperássemos por isso toda a vida. René, sentiste isso? Tu também Kwame? Uma estranha e palpável sensação de conhecer Adelaide encarnações atrás, os seus olhos familiares e as suas palavras dirigidas a um velho amigo. João Carlos Silva olhou um momento para mim em silêncio e disse-me: parece-me conhecer-te de longos anos! Paulo e Guida parecem vizinhos de longa data! Podia caminhar a marginal de S.Tomé de olhos fechados, conhecia as pedras de cor.

Hoje queria ver um filme, mas não um qualquer, nem sequer um excelente qualquer. Queria uma coisa que me cortasse um pedaço de tripa. Quando acabei de ver este filme Dogtooth (Dente Canino), do grego Giorgos Lanthimos, que tem a força de Michael Haneke e a bizarrice de Lars Von Trier, fiquei em estado de espanto. Não nos podem acontecer tantas coisas fortes ao mesmo tempo sem que isso signifique muito.

12.11.11

A mata

Atravessando a mata. A mata vive, tem ossos, carne, coração, espírito. No carro o condutor conta a história da árvore que foi cortada num dia e no dia seguinte apareceu de pé, ainda com as marcas da serra, mas de pé e eu vi, vi mesmo. A mata tem mistérios.

Na roça do João oiço as histórias de S.Tomé, que são tantas, cruzadas, emaranhadas, resolvidas, mal resolvidas, problemáticas, esperançosas e por aí fora. O céu desaba-se em água. Chove sempre, sempre e forte. A mata tapa tudo, só se vislumbrando um punhado de casas ali, um troço de estrada mais além, o cume dum monte ao longe, uma breve vista do mar e as vozes. A mata tem sons e vozes.

S.Tomé tem povos vários, atirados do mar para dentro da mata. Com o lento escoar do tempo os povos se cruzam mas ainda dizem, nós, eles, aqueles, este é nosso, aquele é deles, não queremos saber nada deles e assim. Os povos ainda não sabem se juntar, num único abraço.

9.11.11

Orgulho Cabo Verde

O meu país destaca-se no seu continente. África sofre de ponta a ponta. Se não é de guerra, é de fome, se não é de fome é de corrupção, de violação de direitos individuais, de negação de direitos humanos básicos. Quase todos os países africanos são classificados de pobres e muito pobres. E no entanto o continente é incrivelmente rico de natureza e cultura. A pobreza só tem a ver com os jogos humanos.

Nesse quadro Cabo Verde parece um paraíso. Orgulho-me de morar num sítio sem guerras abertas, onde as mulheres tem direitos reais, onde as criancinhas já não morrem tão facilmente, um país que tem um projecto de governação electrónica exemplar e uma verdadeira democracia. Estamos bem em termos de qualidade de telecomunicações em África, vamos tendo uma quantidade razoável de portos, estradas e aeroportos. A prevalência da SIDA é baixa e o mais importante, temos uma mentalidade aberta. MAS (é preciso um grande MAS) as condições para se perder essas vantagens não estão eliminadas. Dessas condições é a corrupção o que mais me preocupa. Corrupção no sentido lato, das famílias, das empresas, dos partidos, dos governos, de todos. É necessário uma Justiça bem forte, de modo a garantir que todos respeitam os ganhos obtidos, para que ninguém tenha a tentação de estragar com os pés o que já fizemos com as mãos.

Gatos e Ratos

O Governo anda naquela mansidão característica de quando anda a tratar das suas próprias coisas e não propriamente de governar o país. As autárquicas se avizinham e prometem luta renhida, unha por unha, dente por dente. Esta é a hora dos traidores e dos chico-espertos. Muitos já sabem que o partido no poder já não terá as mesmas chances que no passado e viram-se independentes. Os que há uns anitos atrás defendiam o partido cegamente, agora tem muitos argumentos para se "distanciar" dele. Inversamente, o partido da oposição tem mais chances, então muitos até agora ilustres anónimos dão a cara, exibindo bravura e abnegação, num tocante exercício de devoção à causa pública. Então senhores, é isso que a malta que devia estar a administrar o Estado anda a fazer, a brincar de gato e rato. Governo mesmo só daqui 1 ano e olhe lá!

8.11.11

Na raiz do mal

Uma das coisas mais tristes que vi em S.Tomé e Príncipe são as mulheres bêbadas. É uma coisa que me espanta verdadeiramente, primeiro porque na minha terra é mais comum que os bêbados sejam homens, segundo porque sempre me preocupou a questão da dignidade da mulher, por uma razão muito simples, ela é mãe. Ouvi uma história de arrepiar em STP, de uma mãe, com o filho bebé nas costas, caída de bêbada na estrada, quase a esmagar a criança. Foi o irmão em pessoa que me contou a história.

Associado à bebida, as famílias padecem do mais variado leque de males. É super comum a irresponsabilidade paterna, a sociedade é incrivelmente machista, mulheres não se vêem, nem se ouvem, muitas vezes as crianças estão abandonadas à sua sorte, pelas ruas, a tentar sobreviver. Em certas zonas da cidade, por causa da chuva incessante e da falta de condições sanitárias, o cenário é de miséria bruta. Do outro lado da cidade já vão aparecendo resorts turísticos, os únicos sítios decentes e aprazíveis à vista, onde a elite local, no bar, entre um whisky e outro, vai aprendendo a se distanciar cada vez mais da sua população.

É preciso denúncia à miséria no mundo, porque ela não tem nadinha a ver com os recursos materiais. Tem a ver exclusivamente com a acção humana.

7.11.11

Mata Cerrada

A mata é a vista dominante de S.Tomé e Príncipe. E o mar. Do alto, do avião, avista-se desde a aproximação, a a mata. No meio do oceano, uma mata só. Depois de aterrar, aos poucos, os olhos habituam-se e vêem-se casotas, pessoas. Depois são só pessoas. Pessoas e mais pessoas, mercados abarrotados de pessoas. E cheiros e lama. Aos poucos a cidade nos invade, com cheiros e sons: cacaôô!

17.10.11

STP, Day One, First Impressions

Acabado de aterrar no Aeroporto Internacional de S.Tomé e Príncipe. O primeiríssimo ser a dar-me as boas vindas foi...um cão. Assim que saí do avião lá veio o canino no meio da pista, todo alegre a abanar o rabo, estendeu-me as patas e fiz-lhe uma festinha, um bocado espantado por estar um cão ao lado de um boeing, na pista dum aeroporto internacional.

Odiei o voo da TAAG. O grande mal dos nossos países africanos é nós aceitarmos as condições de boca calada. Não é aceitável que num voo de 5h de duração, um avião tenha um interior tão mau, tenha pessoal de bordo tão carrancudo, que as cadeiras sejam tão duras e mal cheirosas. Garantiu-me um colega de viagem que aquele avião só voa entre "as áfricas". Porra pá!

As primeiras impressões. Aqui o universo muda de cor, textura, tempo, principalmente o tempo. Aqui uma hora parece ser duas. O som mais ouvido na cidade é das motas. Há imensas! São...táxis! Não quis acreditar ao ver uma mota a transportar uma senhora de bébé ao colo, os dois sem capacete, numa pose de descontracção total.

Isto vai ser uma aventura!

11.10.11

PP


Que falta a História nos faz! Como é uma pena que milhares de caboverdianos não tenham a oportunidade de conhecer a cruzada que os nacionalistas começaram na década de 50 e que conduziu os nossos povos à independência. A história começa com Amílcar Cabral, Dulce Almada e Abílio Duarte, principalmente esses, e depois segue-se com todos os outros. Pedro Pires é uma das figuras que sempre se destacou pelo seu low profile, ou melhor, que nunca se destacou, devido ao seu low profile, e no entanto é um dos personagens mais decisivas dessa cruzada.

Pedro Pires, reza a história, foi dos dirigentes que se dava igualmente bem com caboverdianos e guineenses. Sugere a história ainda que ele terá mediado várias situações explosivas de conflitos entre caboverdianos e guineenses. Pedro Pires foi o tenaz negociador da independência, lutando ferozmente para que Cabo Verde não se tornasse uma dependência de Portugal, como era a pretensão dos negociadores portugueses. Consta ainda que PP terá sido o grande impulsionador da diplomacia caboverdiana nos primeiros anos de independência. Na luta entre maoistas e trotskistas, ele era um conhecido moderador. Atravessou toda a humilhação nos anos do MPD. Regressou ao poder de uma forma surpreendente. Hoje há um grande consenso que é um dos políticos mais íntegros de toda a nossa história política, independentemente da nossa história política, como toda a história política do mundo, tenha momentos menos esclarecidos. O prémio ao PP é uma reforma mais do que merecida a um homem que teve uma vida pública tão longa e intensa. Parabéns Presidente!

10.10.11

Governados

Hoje ocorreu-me que o Governo tem 21 elementos. O problema do número de elementos deste Governo não tem a ver com o preço que pagamos para tê-los, mas sim com o custo da inoperância de um Governo deste tamanho e sabendo que o tamanho deste Governo não tem a ver com as necessidades do país, mas sim com a clara e vergonhosa distribuição de jobs for the boys. Hoje ocorreu-me que este Governo não está nem aí para o país, tendo o próprio PM dito que não quis se recandidatar, mas que por pressão dos amigos e por um irresistível senso de Estado (presumo), teve de aceitar. Hoje ocorreu-me que só para a área dos recursos humanos temos três ministérios, para a das relações exteriores temos dois e por aí fora. Temos ministros que de tão apagados ninguém se lembra que existem. Temos outros que fizeram um pulo do partido para o Governo, sem nunca passarem por um cargo directivo de peso. Hoje ocorreu-me que este é um Governo de fachada, que de Governação não tem nada, quanto mais de Boa Governação.

Por falar em Boa Governação, um dos factores para um país ser considerado nessa categoria é a informação aos cidadãos. Algum de vocês aí sente-se informado dos planos e intenções do Governo? Alguém consegue dizer o que vai acontecer à Electra ou à Segurança Interna?...E que tal um pouco de conversa séria sobre a Governação?

5.10.11

Quando caem as árvores

Saiam à rua!



!!!

HELP!
Quem vir esta mensagem que a leve muito a sério: Cabo Verde está a ser invadido por alienígenas! Eles são invisíveis, ninguém os pode ver, mas atacam forte. Usam um gás paralisante que atinge principalmente Ministros, Directores-Gerais, Presidentes de Conselhos de Administração de Empresas do Estado, mas atinge de maneira geral toda a população. Estamos paralisados!! Help! quem vir esta mensagem que mande ajuda. E eles estão roubando toda a nossa energia. Estamos há dias sem luz. Vamos morrer como peixes podres! Mandem a NASA, o NATO, a Mossad, mandem todas as forças especiais. Tragam cientistas para injectar no cérebro dos dirigentes um soro desparalisante, porque são os mais cruelmente atingidos por este ataque alienígena aos terráqueos de Cabo Verde.

4.10.11

Empreendedor Camarada

Por uma conversa que escapuliu da língua, soube que a empresa do camarada não está nada bem. E eu, nada bem como? Quanto nada bem? Nada bem a ponto de não poder pagar funcionários, o básico. Não era de fingir o meu súbito secar de palavras. Como podia a empresa do camarada falir, uma empresa daquele tamanho, daquele investimento, que o camarada conseguiu sem verter suores, porque é assim, o camarada não batalhou para ter uma empresa de sucesso.

O camarada foi Ministro, mau Ministro diga-se. Por razões de escandalosa incapacidade ministerial foi afastado e como prenda de consolação ganhou o PCA de um empresa pública, polémico. Depois de algum tempo, não dava mais, foi corrido ou correu, mas tratou de levar consigo os contactos, negócios chorudos de terrenos, alianças já firmadas, de modo que montou logo a sua empresa "Camarada e Cia SA". Floresceu em apenas 4 anos. Distribuiu carros topo de gama para os colaboradores directos, fez a casa mais estupidamente grande da cidade, ganhou estatuto de empreendedor modelo, um exemplo a ser copiado e seguido. Veio a crise e faliu. Como medida de combate a crise, finge. Mantêm o estilo de vida, os carrões, as viagens e as festas monumentais na mansão. Mas não paga os funcionários.

O meu interlocutor, perante o meu espanto, pergunta, porquê o espanto? Empreendedor camarada por regra é leviano, acaba por acontecer.

3.10.11

As boas intenções e o Inferno

"O Governo anuncia medidas para a Electra". Enquanto que o Governo precisava anunciar acções.

"A Electra vai ser dividida em duas empresas, uma Norte e outra Sul". Assim paramos de ouvir o pessoal de S.Vicente a dizer que não tem energia porque tem que pagar as facturas da Praia, como se cada ilha tivesse a capacidade de pagar sozinha as suas facturas.

O Governo critica os clientes que levam 3 a 6 meses para regularizar as facturas, esquecendo-se que as instituições públicas são os maiores devedores da Electra.

O Governo anuncia que todos os clientes da Electra estão geo-referenciados, permitindo assim localizar rapidamente os incumpridores, mas esquece-se que, a cidade da Praia, que é onde o problema se põe de forma mais dramática, a maior parte da cidade é ilegal, logo a maior parte não são clientes da Electra, ou seja a geo-referência não serve pra nada.

"Os efeitos das novas medidas só terão efeito a médio/longo prazo". Há anos que nos dizem a mesma coisa. Quando é que chega o médio/longo prazo?

Ou seja, o Governo sempre terá essas justificações que mais irritam que acalmam uma pessoa.

Fonte: aqui

23.9.11

Setembro 2011




Dificilmente vou esquecer na vida o mês de Setembro de 2011. Foi um mês absolutamente mágico. Começou com o Mindelact 2011, que me deu oportunidade de ver 2 ou 3 peças que me ficaram na retina, como o fantástico monólogo de José Mauro Brandt ou a performance de vídeo-dança de Tanztheater Global, sem falar nas 20 e tal outras peças, todas de encantar. Mas, o melhor dos festivais é conhecer as pessoas e no caso do teatro, pessoas enchidas de coisas para dar e ensinar. 

Do Mindelact voei directamente para o Cineport - Festival de Cinema de Língua Portuguesa, em João Pessoa, Paraíba. Em primeiro lugar a cidade, óptima para um festival de artes, porque pequena e tranquila, onde as pessoas não tem outra opção, como acontece no Mindelact, senão de estarem juntas. Vemos caras aqui de novelas e estrelas do cinema e do teatro brasileiro, vemos personagens grandes da literatura ou do percurso de vida, vemos produtores e pessoas muito rodadas nesse mundo dos festivais de cinema, mas aqui, em Paraíba, à volta da mesa ou na piscina, a ordem é de ser humano e partilhar a humanidade que cada um de nós traz na bagagem do coração com os outros. Além disso, claro, a arte; são dezenas de filmes, mais exposições, palestras, encontros, instalações artísticas e noite a terminar sempre com um concerto. Um luxo!

19.9.11

Tédio Feliz

(visitem o site do festival)

Existe coisa mais imbecil que estar a secar num aeroporto? Não, não existe!! Estou encurralado num aeroporto, sem nada poder fazer, a não ser comer pastéis de nata. E observar gente, coisa que faço por confesso voyerismo. O bonito de um aeroporto internacional grande é ver a quantidade de tipos de pessoas diferentes, irremediavelmente juntas, na mesma seca da espera dos aviões para ir para outros sítios. O meu outro sítio será João Pessoa, Paraíba, Brasil. Para ser parte do Cineport, Festival de Cinema de Língua Portuguesa, que curiosamente homenageia Cabo Verde, neste ano de 2011. Curiosamente porque lá na terra só 0,0001% da população deve saber disso. Eu próprio soube disso com pouco tempo de preparação e cá estou. Feliz pela oportunidade, de ver, trocar, conhecer, expandir e reencher o peito de motivação para continuar, independentemente da seca do meu palco de actuação: Cabo Verde. Na minha delegação, artistas que não conhecia e no entanto vivemos na mesma terra pequena. Mas cá vou eu, depois de vir do Mindelact, que este ano deu-me duches de espectáculos, que também vai acontecendo, independentemente da seca do palco de actuação chamado Cabo Verde.

13.9.11

Feliz ainda


...por ter grandes parceiros de trabalho, de arte, de amizade. Feliz por ter feito o cartaz de Mindelact 2011, junto com os enormes talentos Nuno Lobo Linhares Carvalho, que criou os bonecos Josefina e Tristão, que tão a ver no cartaz, e Bento Oliveira que criou o conceito de base, do chão de pedra, o nosso chão, em oposição a figuras universais, do mundo, do imaginário dos espectáculos. Assim é fácil trabalhar!

Feliz também por ter criado www.fluxu.cv (mais do que uma empresa, um conceito) junto com Samira Pereira, que juntos estamos a conduzir toda a Comunicação e Imagem do Mindelact 2011. Assim trabalhar é fácil e dá prazer!

Acompanhem o Festival em www.mindelact.com e www.facebook.com/mindelact

Feliz


...por estar no Mindelact. Digo sempre que, tirar uma semana para estar no Festival Internacional de Teatro, Mindelact, é das melhores escolhas que uma pessoa pode fazer em Cabo Verde. É incrível a qualidade da arte que nos é dado nesse festival. Ainda tenho nos ouvidos, os olhos, na alma, o eco do potente espectáculo de nome "Pequeno Poema Infinito" baseado em e sobre Federico Garcia Lorca, pelo grande actor José Mauro Brandt. É nesses momentos que uma pessoa sente o poder sublime da arte. E definitivamente a literatura é a mãe de todas as artes.

Para além dos momentos píncaros do festival, muito mais há; sobretudo a troca humana. O Mindelact é um festival de corpo a corpo. Até as refeições são feitas "obrigatoriamente" com todos os artistas, encenadores, produtores, etc., numa mesma mesa, desfazendo em algumas horas qualquer gelo que possa haver entre pessoas de latitudes diferentes. Mindelact é um festival de contacto, na pele. É demasiado fácil a forma como uma pessoa passa a conhecer a família toda no segundo dia. Todos são extremamente familiar. Quase que apetece ter um pé a doer só para ter o mimo de todos!

Mas o Mindelact é, como todas as coisas boas que acontecem nesta terra, um festival sempre ameaçado por isto e mais aquilo. Falta tudo e tudo é conseguido com doação de sangue e suor. Falta um verdadeiro suporte institucional e falta uma cidade inteira dar-se conta do luxo que tem, por ter tal festival.

4.9.11

Domingo


Domingos são dias mágicos, ou pelo menos deviam ser para todos. É o dia em que, nós meninos, íamos a passeio, ou havia almoços. Aos Domingos sentamos em família, ou tentamos, e falamos das pequenas coisas, ridículas que sejam, das nossas vidas. Mesmo as birras familiares intermináveis são a matéria essencial de que somos feitos. Aos Domingos todos deviam encher os filhos de mimos e preparar o pequeno-almoço como se de um ritual se tratasse. Todos deviam sair de casa e respirar devagar o ar de Domingo. Se num Domingo te sentes triste, isso pode significar uma parte importante que te falta à vida.

22.8.11

A Ministra


A Ministra sempre foi Ministra. Anda no carro do Governo de tronco recto e nunca vendo para os lados. Sai do carro, sobe as escadarias do Palácio com passos firmes, raramente deita um olhar ao pessoal da portaria, ou a um eventual cidadão a tratar de assuntos ministeriais. Traz em permanência no semblante o peso das decisões do Estado. Era uma Ministra!, com M maiúsculo e todas as letras. Portanto, foi um Carnaval inabitual vê-la de jeans, de camisola de campanha, a distribuir outras camisolas de campanha a dezenas de jovens, que em outras alturas seriam os patinadores desordeiros, os barulhentos capoeiristas, ou até perigosos meliantes. Os jovens, um por um, a disfarçarem-se de apoiantes do partido, iam afinando os tambores para a batucada. Samba! Descobri que a Ministra tinha todos os dentes alinhados, porque naquele instante abandonou o semblante de Estado e sorria. Suas cadeiras e coxas apertadas num jeans adolescente começaram a saracotear, primeiro numa ginga ligeira, depois frenéticas e compassadas, sorrindo e agitando os braços no meio dos repiques dos paus nos tambores. Uma força poderosa tirou-a da sua armadura de Ministra.

21.8.11

Os Camaradas


Camaradas são pessoas que se abraçam e dão valentes palmadas nas costas uns dos outros. Normalmente fazem juras de fidelidade para sempre! Formam grupos e defendem-se de outros grupos de camaradas. Mas camaradas também zangam-se. Aqui há dias os camaradas se esfaqueavam de morte com palavras. Foi assim durante dias: assistiam-se os camaradas a rudes golpes. Mas logo os camaradas fazem as pazes. Passa tudo. Voltam a abraçar-se e dão valentes palmadas nas costas. Fica tudo como se não tivera acontecido. É que os cães sabem disso: juntos, dois cães podem ter cada um metade de um osso; sós perigam de não ter osso nenhum.

18.8.11

Art House


Tenho 3 tipos de bons filmes: os tecnicamente bons, bom guião, boa direcção, bom elenco, boa fotografia etc.; os excepcionais, que se destacam por um guião extraordinário, uma direcção inesperada, excelentes performances de actores, soberba fotografia, etc.; e há os que nos marcam definitivamente, a tal ponto que nos causam mudanças profundas, a nível de estética ou ao nível de convicções. Este impressionante Hunger, de Steve McQueen, é um deles.

Tenho 3 tipos de bons actores: os muito bons profissionais, os fantásticos e os que fazem da arte a sua religião, que passam 10 semanas a ingerir 600 calorias por dia, emagrecendo de tal maneira que parece mesmo que vão morrer (e realmente incorrem a riscos enormes de saúde), tudo para tornar o seu personagem incrivelmente credível. Michael Fassbender é um desses actores.

Tenho 3 tipo de bons realizadores: os que fazem filmes irrepreensíveis, os que tornam em ouro o que tocam e os que, mais do que fazer filmes, fazem manifestos. É o caso de Steve McQueen.

+ info: http://www.imdb.com/title/tt0986233/

11.8.11

Medíocre Menos

Raramente oiço a rádio. Acho rádio uma coisa fabulosa de fazer e ainda é das formas de comunicação mais acessíveis que há. Raramente oiço, mas de vez em quando, para sintonizar-me com o que acontece no país, dou uma volta pelas rádios. Hoje, abri, circulei, 2 rádios do Estado, outras privadas, uma desgraça! Nenhuma informação, todos a tocar a mesma música (de m*da) e os mesmos comerciais insossos. Assim, não dá! 

No entanto, mérito seja dado aos excelentes radialistas que temos, que destaco, por razões pessoais, o meu amigo Tchá; cresci ouvindo a tua voz Tchá.

Fabuloso!

A propósito da desigualdade social grave; a propósito dos condomínios fechados, formas fajutas de esconder o problema; a propósito da imensa crueldade a que podem chegar os mais distintos membros de uma sociedade.

Um filme de Rodrigo Plá, Uruguai. 5 estrelas.

8.8.11

Felisberto Vieira demite-se do Governo de José Maria Neve

Até que enfim, vejo um acto político de inteligência!! Antes ninguém nesta terra pedia a demissão, talvez considerando que pedir a demissão é dar a parte fraca. O pessoal na política não entende que pedir a demissão quando as coisas correm pró torto, chama-se "gestão de carreira"; mais vale pedir a demissão na hora certa, do que teimar-se no lugar até que a sua figura queime. Sim senhor Filú, bom muv!

6.8.11

O delicado equilíbrio

Escultura: Knopp Ferro

Terminou umas campanhas, diria, rasinhas. Do imaginário, tenho a figura de Presidente da República como uma estatura elevada. Seriam requisitos a essa estatura, a rectidão de carácter, a frieza da ponderação, a sapiência das decisões. Mas como vai o Presidente reclamar comportamentos adequados ao país, quando a sua campanha eleitoral utilizou todo o tipo de esquema para atingir o objectivo? Como vai exigir o respeito pelo descanso dos cidadãos, quando promoveu carros terrivelmente ruidosos às 11 horas da noite? Como vai apelar à moralidade da política, quando ainda subsiste a oferta de "prendinhas" aos eleitores? Mas, ainda mais terrível: como vai estabelecer um discurso elevado, quando, durante as campanhas, o seu discurso rasou o vulgar?!

Quero ver/Quero ter

De Dusan Makavejev

Quem tem, quem sabe quem tem, quem sabe onde achar, dá fala.

4.8.11

A busca de nós, humanos

Esta será a mais religiosa das mensagens que alguma vez escrevi, pois a religião implanta-se assim, quando nada mais na terra parece resultar, busca-se em dimensões outras, espirituais. Sinto chegado um tempo de sairmos todos à rua e fazermos uma gigantesca roda humana, de mãos dadas, meditando o que em nós está a falhar. Como é possível em terra tão pequena, tamanho ódio nas palavras e nos actos? Como é possível, em terra que a maioria de nós ainda sentou à soleira da porta, que não se tenha o mínimo de respeito pelas pessoas mais velhas, pelas mães, pelos vizinhos? Que fusível queimou-se dentro de nós? Onde anda a nossa alma de humanos?

...e somos todos um bocadinho culpados, os que agem mal e os que não agem contra o mal.

Dor Dor Dor

Já não posso mais ouvir notícias de gente nova a morrer, de morte matada. Mataram o meu amigo, e amigo de meio mundo, Djô Bomba, em S.Vicente. Esta notícia apanhou como uma tábua em plena cara, como foi da vez do meu amigo, e amigo de meio mundo, Dudu. Ambos matados à facada, a morte mais violenta de ser matado. Facada, um gesto carregado de ódio. País que se mata à facada em pleno centro da cidade, país com laivos de primitivismo. 

Mais dor

Morreu uma menina, de bala perdida, na Achadinha, que se encontrava sentada à porta da sua casa, quando a bala da violência deste país veio ter com ela para a matar, assim, do nada. Desta vez, como foi da vez do bébé de 2 anos que morreu também de bala perdida, não houve manchetes nos jornais e nem veio o Primeiro-Ministro ao público repudiar o acontecimento, como foi quando um juiz sofreu atentado à mão armada e, felizmente, nem morreu. Isto se tornará numa carnificina, no dia em deixarmos de cuidar de todos, de forma igual, principalmente quando se trata de proteger o bem maior da natureza, a vida.

3.8.11

Crise de Ansiedade

Sabem o quê? Desde ontem estou meio ansioso, como se algo de mal espreitasse. Não me concentro o suficiente no trabalho e não havia razão aparente. Parei para pensar nisso, do que raio se tratava e, para o meu espanto, cheguei à conclusão que tenho luz eléctrica por mais de 24h sem cortes. A ansiedade era, quando é que essa porra ia desligar tudo outra vez, deixando uma pessoa naquele estado de enervamento indescritível. A ansiedade era o meu corpo a preparar-se para enfrentar a frustração. Mas que tá estranho, tá. Será que é daqui a uma hora que essa porra vai mesmo desligar?

2.8.11

Nunca mais é o fundo!

A situação energética não pode piorar mais; a situação económica também não; a situação política atingiu os píncaros da desenchabice; a situação social sempre naquela corda bamba...Sensação de queda livre. Que venha o fundo do poço o mais rapidamente possível. Depois do fundo, ou ficamos lá até morrer, ou decidimos montar de novo à superfície.

De cacos

Mais ou menos por essas palavras: "A construção civil está em cacos; ninguém paga, ninguém encomenda...a situação está mesmo difícil". Palavras concretas, de um operador concreto, situação concreta. Acima de qualquer discurso político.

1.8.11

Verniz de quinta categoria

Estalou o verniz! Os camaradas que dantes batiam as palmadinhas nas costas, com vontade de espetar um ao outro um dedão nas costelas, agora espetam mesmo. Donas que dantes sorriam, com vontade de arrancar os brincos umas às outras, agora arrancam mesmo. E se for o caso, partem para acções físicas mais desenvolvidas, como estalos, chutos e muros. Bem, isso são meros eufemismos comparados com a violência real, a das palavras. Tem coisa que dói mais que, da pessoa que menos se espera, vem um ofensa gratuita? Tem coisa mais revoltante que, quando menos se espera, invocam-nos a memória dos nossos familiares? E tem coisa mais chocante que esse cenário de terror aconteça precisamente na camada da sociedade que supostamente foi investida da missão de transmitir aos outros os melhores valores? Pois, são assim as pessoas que se viravam às avessas, caso fosse necessário, para manter um posição de conforto. Nem se lhes caísse a alma de podre! 

Não dói

Já nada mais dói. Nem as horas intermináveis no escuro, sem luz e sem acção, nem as ferroadas dos mosquitos, nem o calor insuportável. Nada dói. Nem as toneladas de decibéis dos carros de campanha, nem as atrocidades verbais de cada qual, nem a lata, o descaramento ou a desonestidade escancarada. Nada dói. Apanha-se tanto que deixa de doer. Suponho que um dia, ou endoidamos e desatamos a arrebentar qualquer coisa que nos apareça pela frente, ou nos tornaremos nos mais estóicos sacos de porrada: mudos e firmes.

29.7.11

Art House


De todos os filmes sobre a prostituição, este da israelita Keren Yedaya é provavelmente o mais marcante que já vi até à data.Tanto pelo roteiro, como pela técnica (que até em certos momentos assume um aspecto de anti-técnica). Em 3 semanas vi 3 filmes de 3 jovens cineastas, de 3 países diferentes, todos os 3 premiados no maior showcase do filme culto do mundo, Cannes. Todos os 3 tem um premissa muito simples: na arte é a história humana o que mais conta e contará sempre.

Sextavado

Cabo Verde hoje em dia recebe em turistas quase a mesmo número da população, o que significa que, sem dúvida, o Turismo é uma das nossas fontes de riqueza. Mas, no entanto, fora os grupos estrangeiros, os serviços ao turista (nacional, estrangeiro) são fracos. É conhecida a falta de qualidade e diversidade dos restaurantes, bares, pubs e afins. No que toca à Cultura, aí é que as coisas são mesmo beras. No entanto, num período em que devíamos trabalhar mais, fazemos de tudo para trabalhar o menos possível. É o "verão", palavra que me escandaliza em CV. Eu juro que não consegui distinguir as estações em CV; tanto muito sente-se durante 1 ou 2 meses um "tempo fresco". Num período em que, pelas oportunidades que oferece, todos deviam estar a inventar uma coisa que fazer, que fosse tirar cambalhotas na rua (é o que muitos artistas fazem por esse mundo fora para ganharem a vida), todos estão doidos pela próxima festa. Este ano a piorar, são as campanhas presidenciais é que estão a patrocinar a festa. Até a própria diversão está vazia de piada, porque sempre a mesma carneirada de sempre.

25.7.11

Fundamentalismo

De esquerda, da direita, islâmico ou cristão, pouco importa o título, fundamentalismo não é coisa boa em nada. Na Noruega um "fundamentalista cristão" matou 76 pessoas, a bomba e a tiro, naquele país que é conhecido pela sua paz e tranquilidade. Ao que parece, quando todas as forças de segurança tinham as suas baterias apontadas para células islâmicas no país, heis que o tiro veio do outro lado. Parece que é um golpe no preconceito. Afinal os desequilibrados estão por toda a parte. Precisamos de um mundo onde as pessoas vêem mais uns pelos outros, se apoiam mais, na saúde e na tristeza. Essas nossas sociedades de alienação social só produzem monstrinhos.

Paz às almas (na maioria jovens) que morreram na Noruega, terra que acolhe familiares meus.

24.7.11

A refinada irresponsabilidade

Vivo numa pequena terra. Tão pequena que a determinada escala nem aparece no mapa. Também os comportamentos se diminuem em escala. Não há grandes atitudes, nem grandes feitos ou grandes demonstrações de carácter. Porque também tudo é tão sensível. As nossas relações são de emotividade, de amor e ódio extremados. Vivo numa terra que também é um Estado. Tem Presidente, Primeiro-Ministro, Assembleia Nacional, Justiça, tem eleições, liberdade de expressão, associações civis, cidadãos livres e demais itens de um Estado moderno. Mas, chegado o tempo de campanhas políticas, quando está em jogo o status e muitas vezes o emprego de muito boa gente, esta terra, este pequeno Estado, vira campo de batalhas verbais dos mais lamacentos que há. Vale tudo, de cotovelada no nariz a pontapé nos genitais. Personalidades, pretensamente de postura irrepreensível, tiram cambalhotas no chão e fazem os malabarismos que forem necessários para se manterem nas posições confortáveis de não terem que fazer tanto e de ganharem tanto. Espectáculo deplorável!

Fast and Furious

Parece que determinadas almas vêm ao mundo carregados demais de energia. Enlouquecem e morrem, prematuramente. Parece inacreditável que Amy Winehouse tenha morrido. Como pareceu incrível quando Michel Basquiat morreu. O mesmo se pode dizer para o génio do jazz no baixo, Jaco Pastorious. O nosso Pantera também partiu precocemente. Todos eles atormentados por álcool, drogas e depressões. É muita fúria para o limitado corpo. Que o Universo os tenham.

22.7.11

A refinada lata

Todo o gesto executado com refinamento e criatividade torna-se arte. A lata, ou latosa como alguns preferem chamar,  do Primeiro-Ministro tem essas qualidades. Perante a pressão, vá lá, que nem é assim tanta, fosse noutro país a sociedade já teria exigido a sua demissão face à situação ridícula da Electra, o Primeiro-Ministro contra-ataca, acusando os cidadãos de “déficit de cidadania” porque roubam a luz, o que, segundo se depreende, será o resumo da problemática da Electra. Toda a verdadeira arte tem sempre a marca da originalidade e a lata do Primeiro-Ministro também tem essa qualidade. Depois do contra-ataque inusitado, ainda ameaça que vai fazer os governantes sairem à rua para manifestarem contra a população! Esse espectáculo pago para ver.

Confesso que a lata do Primeiro-Ministro é inspirador. A arte é isso mesmo, transformar os reveses em obras criativas. Já agora o Primeiro-Ministro, na mesma manifestação, podia protestar contra os cidadãos que não vão ao emprego, os infames desempregados. Podia ainda mostrar o seu repúdio pela população que se dedica ao crime pesado, que matam, se prostituem, violam e roubam à mão armada. Protestaria ainda contra os bundões da Assembleia Nacional que andam a torrar o dinheiro do Estado.  Chegado a um ponto, podia fazer como alguns artistas fazem, a auto-mutilação, castigando-se pela ausência de políticas habitacionais decentes, pelo estado deplorável da Justiça, pela quase inexistência de políticas ambientais e culturais e tantas outras coisas que falharam redondamente e com graves consequências no nosso dia-adia.

Admiro essa capacidade criativa do Primeiro-Ministro, mas tenho de adverti-lo que a prática da arte tem os seus riscos: quando a fantasia invade a realidade, é preciso soar o alarme e fazer intervir profissionais da cabeça.

(O que foi escrito acima não é ficção, vejam a seguinte notícia: JMN diz que a falta de energia na capital é uma situação que o “angústia profundamente”)

20.7.11

Le manif

Por azar não pude participar na manif contra os apagões da Electra. Queria estar presente, porque defendo que, quem critica deve ter uma acção consequente. Não deu, pronto. Pelos vistos a manifestação não teve grande aderência e pelas fotos, foram os suspeitos do costume. Há blogs e comentários no FB a criticar a atitude passiva das pessoas, que não saem à rua, não participam etc. É assim: a Pró-Praia não tem que se queixar, pelas seguintes  razões:

  • Primeiro, anda desaparecido por anos e de repente aparece e quer que toda a gente adira. Não funciona.
  • A Pró-Praia está marcada desde a sua nascença por quezílias partidárias e para ultrapassarem isso tem que provar a sociedade que a sua acção é permanente e em nome da cidadania.
  • Não sei, por isso pergunto: será que a Pró-Praia está a criar dinâmicas com as zonas da periferia? Será que já pensaram numa rede, formada por todas as associações cívicas da Praia?
  • A marcação de uma manif pelo FB, numa cidade como a Praia, está fadada a ser o que foi. Perguntem ao pessoal dos partidos como se faz a mobilização.

Ou seja, só nos podemos queixar de nós próprios. O exercício da cidadania em CV é complicado, porque quem a pratica acha que está a fazer um grande favor à sociedade e como tal põe-se numa posição chorão, incompreendido, não valorizado, não recompensado, etc. Pessoal, se não funcionou, alguma coisa está errada e não são só os outros.

Finalmente um exemplo que me parece de dar lições às pseudo-associações da sociedade civil: a Associação de Desenvolvimento do Safende: uma associação carente, numa zona carente, mas que consegue fazer mais do que dar fricotes no FB. Precisamos abrir os olhos, dar um estalo a nós mesmos, para acordar para a realidade da cidade da Praia e do país no geral; é muito mais do que o Plateau e a Praça Nova.

17.7.11

Art House

Dois nomes a reter e a seguir:

O mexicano Fernando Eimbcke. O filme Lake Tahoe é poesia pura.
A argentina Lucía Puenzo. Bom roteiro = bom filme


13.7.11

Crise cá

Cá a crise não será de um escândalo da bolsa, porque bolsa aqui é só uma panelinha muito bem remunerada para os boyz. Também não será uma crise de subprime, porque os bancos cá estão bastante confortáveis, dizem os entendidos, até com excesso de liquidez. Poderá talvez ser uma crise de endividamento público, que também segundo os entendidos, ultrapassou os limites do aceitável. O nível de desemprego, fosse noutro país, já teria deitado o país abaixo. Entretanto, tudo anda num silêncio e normalidade doentia, como se o mundo das tragédias não existisse. Mas, pelo menos isso as autoridades já admitiram, em termos de segurança as coisas chegaram ao ponto de obrigar o exército a ter que intervir, o que poderá ser só o furúnculo de toda uma infecção muito mais profunda.

Estaremos em sub-crise, que é como nas artes cénicas o sub-texto; não fala mas pode estar a dizer o mais grave.

Homo pacificus ridiculus

12 horas sem luz é demais. Isto já está a atingir proporções ridículas, digno de um estudo sério.

HIPÓTESE 1: Estamos na presença da formação de uma sub-espécie humana, que podia ser denominada de "homo pacificus ridiculus". Nada nos indigna, nada! Aumenta-nos os impostos, reduzem-nos os benefícios, o Estado exibe luxo, enquanto a população sofre de necessidades primárias, mas nada, nada, faz-nos sair do conforto do sofá, mesmo que isso signifique apanhar até nos partirem os ossos todos.

HIPÓTESE 2: Algo precisa abalar, ou diria chocar, o nosso sistema nervoso, de forma mais dramática, para ganharmos a noção que abuso tem limite!

HIPÓTESE 3: Não temos a mínima noção do que fazer. Os governantes andam a brincar de governar e os governados andam a fingir que estão numa democracia. Isto aqui é uma autêntica ditadura da lógica de uns a prevalecer sobre outros. Fartamos de berrar que uma circular de luxo, como a que existe na Praia, para a circulação de vacas e burros, era uma tolice em relação a necessidades mais urgentes. Também protestamos contra a escalada de fantasias em relação aos resorts e estradas e aeroportos internacionais. No final da linha temos os ditadores que ganharam algum dinheiro com a farsa, temos uma crise mundial que decorre precisamente desse tipo de farsa e temos os iludidos, a acharem que ainda assim somos os maiores.

HIPÓTESE 4: Tamos doentes. Gravemente!

12.7.11

Inactividade (ou Inatividade?)

O estado de inactividade deste blog coaduna com o estado de apatia geral do país. Don't blame me.

3.7.11

Alvarito

Há figuras que nos enchem a memória por toda a vida, que conhecemos com os nossos olhos de criança, nos parecem gigantes e eloquentes. Melhor ainda, crescemos e continuam gigantes e eloquentes. Há gente que vai e volta. Conheço uma centena de pessoas novas todos os anos e outras tantas se desvanecem na memória, mas há pessoas que são como componentes do sistema central, nunca vão, fazem parte do ser que somos.

Às pessoas de enorme estatura que me fizeram, gente de bem, que continuem a encontrar força e inspiração para se manterem gigantes. Abraço Alvarito. 

22.6.11

in Mindelo


Tenho ido a S.Vicente e achado tudo mal. Desta vez fui e achei tudo bem. Devia ser do humor, mas não fui o único visitante a achar que algo mudou. Talvez a proximidade de Agosto, o ponto de febre de Mindelo. Seja como for, amei estar na minha terra natal. Eu que sou fã de sítios agradáveis de estar, adorei o Look, o G Point, o incontornável Bodeguita, não fui ao Tapas mas em contrapartida comi muito bem em outros lugares. Excelente Chop Suey de legumes no Sodade, excelente comida n'O Cocktail.

Vi muita gente na Praça Nova, achei que a Rua de Lisboa estava mais movimentada. As caras tradicionais de Mindelo estão a ser trocadas inteiramente por caras novas. Jovens. Pessoas que nunca vi. Aos poucos, é o que espero, uma velha rabugeira dará lugar a uma motivação nova. A ver.

16.6.11

in Sal


...doing this and relaxing for sure.

Bom Dia (esplanada) sempre no umbigo de Espargos. Se Bom Dia desaparessece um dia, todo o Espargos perdia-se. Santa Maria, cada dia mais cosmopotita. Calema é um belo pub. Na carrinha, regresso a Espargos, homens e mulheres, entre risadas, filosofavam sobre a natureza de homens e mulheres. Homens são isso, mulheres são aquilo, cada um com argumentos de peso. À noite, jantar no bar Violão, kitsch, simpático, familiar e acolhedor. Trip-hop para terminar a noite com o meu bom amigo Gi. Os lugares são as pessoas, definitivamente.

13.6.11

...EM TOURNEÉ!!


SAL
15 Junho, Quarta-Feira
Actuação Centro Social África 70 - 21h
Jam Session com Sori Araújo - 23h

16 Junho, Quinta-Feira
Workshop Rock/Metálica com Sori Araújo - 11h
Actuação Centro Cultural Santa Maria - 21h

PRODUÇÃO: CÂMARA MUNICIPAL DO SAL

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S.VICENTE
17 Junho, Sexta-Feira
Actuação Espaço Columbin - 21h
Jam Session com Sori Araújo - 23h

18 Junho, Sábado
Workshop Rock/Metálica com Sori Araújo - 11h
Actuação Museu de Arte Tradicional (Casa Senador Vera-Cruz)- 21h

PRODUÇÃO: IMAJINA - SOLUÇÕES DE MARKETING E MULTIMÉDIA

9.6.11

8.6.11

O país real

Preço dos combustíveis volta a subir com nova atualização (RTC, 8/6/2011)

O país real não tem água, não tem luz, não tem segurança, a vida custa os dois olhos da cara, não há novos empregos, MCA falhou, o parceiro estratégico Portugal falhou, não haverá novos empregos, nunca mais a indústria se desenvolve, a ajuda pública vai diminuir, o Estado está endividado até a testa, as famílias também estão, os impostos são excessivos, os salários permanecem iguais e a inflação, embora ninguém o diga mas todos sentem, é galopante (só calcular em quantos % os combustíveis subiram do início do ano até agora e imaginar o efeito disso na restante economia).

O país real tem Ferrari, Porsche, Mercedes, até tem uma concessionária da BMW e a Toyota Prado tem tanto que se esquece que se trata de um carro de luxo. Só do Estado, perde-se a conta da quantidade desses carrões que andam por aí, sem contar o combustível e a manutenção pagos, também pelos cofres do Estado. Já ouvi dizer de directores da administração pública que conseguem gastar mensalmente 300 contos de telefone, sem contar as viagens e ajudas de custo, os seminários, os banquetes, as recepções e outros desperdícios.

O país dos indicadores é de Rendimento Médio, apesar da maioria das famílias ser de rendimento baixo; é de Boa Governação, que diz que o país goza de democracia (é verdade), que os actos da governação devem ser comunicados de forma transparente e deve dar a possibilidade da participação de todos. O dossier Electra mostra o quanto o governo não comunica de forma séria. Essas dezenas de obras avultadas sem concurso público mostra o quanto de participativo tem a gestão do país.

O país está mais pra surreal do que real.